É Tudo Verdade: As Cores e Amores de Lore

A Bienal de São Paulo de 2022 foi talvez a maior ocasião de visibilidade que teve a obra de Eleonore Koch. Infelizmente, ela já não estava viva para ver. Faleceu em 2018, aos 92 anos, 81 anos depois de chegar ao Brasil emigrada da Alemanha. Ainda jovem, travou amizade com Rosa Bodanzky, mãe do cineasta Jorge Bodanzky. Ambas pertenciam a famílias judias exiladas desde 1937.

Não faz muito tempo que Jorge descobriu isso e passou a acompanhar os últimos cinco anos de vida de Eleonore, chamada de Lore. As Cores e os Amores de Lore traça o perfil dessa mulher livre e corajosa, que desafiou os padrões de sua época recusando o casamento e dedicando-se inteiramente a sua arte.

Foi aluna de Alfredo Volpi (com quem aprendeu também a cozinhar com alho) e frequentou ateliês de artistas como Arpád Szenes e Bruno Giorgi. A Bienal de 2022 assim se referiu a sua obra: “Koch produziu pinturas figurativas silenciosas, compostas por formas e campos de cor planificados e organizados pela linha do horizonte. Suas naturezas-mortas e paisagens muitas vezes eram construídas por sucessivos estudos que partiam de fotografias ou cartões-postais e buscavam a síntese dos elementos, levada ao ponto em que o espaço entre as formas se tornasse mais dominante que os próprios objetos representados. Dedicava-se então a atribuir cores aos planos e formas, compondo cenas evocativas de sensações, ainda que despidas de figuras humanas, narrativas ou quaisquer indícios da passagem do tempo”.

Em conversas com Lore idosa e passeando sua câmera por quadros, cartas, fotografias e esboços, Bodanzky faz um pequeno estudo da obra, ao mesmo tempo que retrata a personalidade afirmativa e autônoma de Lore. Quando se via insatisfeita com a pouca valorização de suas telas, geralmente pintadas com a técnica da têmpera, ela se confortava por outra via: “Se eu não existia como pintora, então ia existir pelo menos como mulher”, relembra no filme.

Existir como mulher, para ela, significava amar quem quisesse, quando quisesse. Foi uma amante incansável, mesmo que dividindo os parceiros com a irmã e até outro homem. Manteve relações com Paulo Emílio Sales Gomes, Ziembinsky e muitos outros, inclusive um soldado que havia lutado pela Alemanha na II Guerra.

Outra intercessão entre Lore e Jorge é que ele foi aluno de Paulo Emilio – o que inspira uma belíssima ilustração com os abraços eróticos de Hiroshima Mon Amour. Diante do fato de nunca ter tido um vínculo amoroso duradouro nem ter constituído família, ela invertia a fórmula da compensação: “A sorte é que eu era pintora”.

Nas conversas com o cineasta, Lore se refere à pintura como coisa do passado. Já havia parado de produzir, achava que não precisava mais depois de tudo o que já criara. Criticava o fato de seu mestre Volpi ter insistido nas bandeirinhas quando já não tinha mais nada de novo a oferecer.

Eis o retrato de uma mulher capaz de contornar suas carências com a força interior. Bodanzky trata o assunto com sobriedade e elegância numa narrativa mista de biografia e estudo da obra. As palmeiras, os faróis, os vasos e os horizontes de Eleonore Koch se revelam como traços de um caráter rigoroso e ao mesmo tempo liberto. A trilha musical de Flavia Tygel e as canções de Joan Baez complementam o clima evocativo de uma vida densa.

12/04/2024 às 18h00 – Espaço Itaú de Cinema Augusta
13/04/2024 às 18h00 – Estação Net de Cinema Botafogo
14/04/2024 às 19h30 – Cinemateca Brasileira (Sala Grande Otelo)
14/04/2024 às 15h00 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)   

Nota 1: A obra do repórter, fotógrafo e cineasta Jorge Bodanzky está sendo celebrada no Instituto Moreira Salles de São Paulo com uma exposição sobre sua produção durante a ditadura (1964-1985) e uma retrospectiva completa de filmes até 28 de julho.

Nota 2: 190 obras de Eleonore Koch estão em exposição no MAC-USP até 14 de julho.

2 comentários sobre “É Tudo Verdade: As Cores e Amores de Lore

  1. Bom dia Carlinhos

    Obrigado pela crítica , estou indo agora para o Rio vou estar presente no NET Botafogo Depois te conto quem é o Carlos

    Grande abraço Jorge

    Jorge Bodanzky jorgebodanzky@gmail.com

    jorgebodanzky.blogspot.com

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